Saúde Mental Integral
ESQUIZOFRENIA
A esquizofrenia é um transtorno mental com muitas formas de apresentação e evolução (desde prejuízos permanentes e graves deixando o sujeito dependente até um bom nível de desempenho/remissão especialmente se tratado adequada e precocemente).
Hoje compreende-se que não há uma resposta ou causa única para explicar e mesmo manejar essa condição.
Os fatores causais da esquizofrenia são múltiplos e não excludentes como predisposições genéticas, fatores perinatais (durante a gestação), estressores ambientais/sociais, fatores de desenvolvimento cerebral.
Dentre os fatores genéticos acredita-se que vários genes estão implicados.
Em termos biológicos acredita-se que ocorra:
§ Hipersensibilidade dos receptores dopaminérgicos ou atividade dopaminérgica aumentada.
§ Atividade noradrenérgica aumentada
§ Redução da atividade GABAérgica
§ Alteração do metabolismo da serotonina com aumento da atividade serotoninérgica.
Muitas pessoas buscam uma causa psicológica/ ambiental/ familiar que dê conta de explicar a esquizofrenia tais como "mães esquifrenogênicas", mas isso é parcial e não verdadeiro, pois para situações complexas uma rede de fatores inter-relacionados.
A esquizofrenia é doença de adulto jovem (início antes dos 25 anos) que afeta todas as classes sociais atingindo cerca de 1% da população em proporção igual de homens e mulheres.
O diagnóstico é baseado na história clínica e não em exames laboratoriais ou de imagem sendo esses usados para diferenciar outras doenças que possam causar sintomas parecidos.
Os sintomas típicos* são:
Positivos:
§ Alucinações (alterações das percepções em que a pessoa ouve vozes sem haver qualquer pessoa falando ou vê pessoas imaginárias ou percebe gostos sem estimulação gustativa ou sente cheiros, sensações no corpo como beliscões sem respectivos estímulos).
§ Delírios (crenças absurdas, irremovíveis geralmente de perseguição- paranóia ou grandiosidade como ser um artista famoso ou um messias).
§ Desorganização do pensamento e da linguagem que na fase ativa da doença mostra-se incoerente/ou melhor dizendo de difícil compreensão com fluxo de pensamento por vezes ilógico e por vezes com criação de novas palavras inventadas.
Negativos:
§ Retraimento social preferindo ficar isolado, diminuição da iniciativa (não tem vontade de se envolver em atividades ou em projetos de um modo geral), pouca expressão de emoções (embotamento afetivo), empobrecimento da fala e do pensamento, deficiência do auto-cuidado pessoal.
Algumas das pessoas com esquizofrenia tem uma personalidade já marcada por timidez, introversão, preferir ou ter poucos amigos preferindo por vezes ficar reclusos em casa do que ter atividades coletivas, mas obviamente essa característica não indica tendência à esquizofrenia.
Antes da doença instalar-se plenamente com os sintomas típicos* a pessoa pode ter sintomas que chamados prodrômicos. Alguns desses sintomas são maior isolamento, ficar horas diante do espelho indagando-se sobre alguma coisa estar diferente ou transformada em si (despersonalização) ou olhar com susto/estranheza para um ambiente antes familiar e considerar esse transformado/diferente (desrealização).
Outros podem ter início súbito de comportamento obsessivo-compulsivo.
Algumas pessoas quando avaliamos sua história de trás para frente (retrospectivamente) começaram a doença com sintomas físicos como dores nas costas, fraqueza e queixas digestivas. Nessa fase prodrômica a pessoa pode subitamente iniciar um interesse que antes lhe era incomum por assuntos filosóficos, ocultismo ou questões religiosas. Nessa fase também a pessoa fica mais fechada, com afeto anormal, discurso incomum, idéias bizarras (absurdas e exageradamente impossíveis de difícil compreensão) e experiências perceptivas estranhas (interpretar a realidade de um modo muito peculiar e difícil de entender).
Tratamento da esquizofrenia
A compreensão ampla da esquizofrenia permitirá que o tratamento desse processo humano seja amplo também.
O tratamento biológico consiste da administração de medicamentos ditos antipsicóticos que classicamente são antagonistas dos receptores cerebrais de dopamina, outros são antagonistas da serotonina-dopamina. Dentre os medicamentos dessas categorias temos: Haloperidol, Clorpromazina, Flufenazina, Tioridazina, Risperidona, Paliperidona, Aripiprazol, Quetiapina, Ziprazidona, Olanzapina, Clozapina.
Como intervenções psicossociais a terapia do indivíduo e familiar são fundamentais. Muito embora recomende-se "terapias mais estruturadas" especialmente em pacientes com severa desorganização do pensamento, a escolha da modalidade de terapia gera ainda grande discussão muito embora experiências com terapia comportamental e interpessoal associadas à medicação sejam as mais recomendadas dada a dificuldade do paciente com esquizofrenia em abstrações e insights.
O fato é que apesar de estudos recomendarem crescentemente abordagens comportamentais para grande parte dos transtornos mentais, não há como se radicalizar dizendo que não há mais indicação da psicanálise. Geralmente profissionais de uma dada escola de compreensão têm nessa uma resposta totalizante e polarizada.
Idéias totalizantes e polarizadas são parciais não sendo raro privilegiar-se ou remédio ou qualquer compreensão /terapia como abordagem isolada. Isso é parcial, radical e não traz benefícios às pessoas e suas famílias. Por exemplo, há pessoas que desfazem da psicanálise ou defendem a terapia comportamental como a única cientificamente ajustada, ou referem a terapia interpessoal como a mais adequada. Ora as tendências polares e totalizantes dessas afirmações é que devem ser cuidadosamente avaliadas visto que os sujeitos são únicos assim como os terapeutas e o que podem oferecer em seus encontros terapêuticos.
O que quero afirmar é que em se tratando do humano não há receitas de bolo ou roteiros prontos certeiros. Claro está, que existem estudos mais frequentes em certas áreas (muitos deles movidos por interesses acadêmicos ou mesmo financeiros) o que não deve sentenciar com afirmações taxativas que os portadores de transtornos mentais como esquizofrenia não possam se beneficiar de certo tipo de psicoterapia (vide o "Milagre das maçãs" também encontramos esse registro de experiência terapêutica significativa e resolutiva em Diário de uma esquizofrênica).

Há que se integrar e compreender sensivelmente a experiência subjetiva do sujeito quando se sente assustado, perseguido por exemplo, mas a formação médica (com exceções é obvio) de modo geral transfere essa compreensão e interação para psicólogos e esses também não raramente tendem a ter teorias psicológicas que desconsideram a multiplicidade e complexidade da determinação dos sintomas fora do campo psicossocial tornando as ações desses profissionais fragmentadas, parciais.
REFLEXÕES:
Em se tratando do adoecimento humano e ainda mais das doenças mentais a palavra culpa ainda vem à tona: " De quem é a culpa dessa pessoa ter ficado assim? " Do mesmo modo que quando alguém é acometido por um câncer ou outra doença grave: " O que eu fiz para isso acontecer comigo? ". Esse é um mecanismo e questão comum para situações críticas que assolam a humanidade: buscar culpa e culpados. É importante desfazer mitos e culpas e assim haver engajamento no tratamento e apoio da família uma vez que o transtorno se caracteriza por prejuízos do juízo de realidade o que compromete a capacidade da pessoa inicialmente aceitar e colaborar com o tratamento.
Famílias precisam reconhecer suas fantasias sobre culpa e sim o esforço que é necessário para de fato ajudarem seus filhos e irmãos portadores de esquizofrenia a se recuperarem. Precisam reconhecer que é difícil sozinhos e profissionais e famílias precisam de fato estar dispostos a trabalharem juntos para ajudar uma pessoa em surto.
Outra questão que meus pacientes me perguntam recorrentemente: "Eu sou esquizofrênico doutora?" Ao que costumo responder: " Você é ... (Chamo-a pelo nome). Geralmente explico que existem alterações sim psicológicas e no funcionamento cerebral que deixam aquela pessoa percebendo a vida de uma forma peculiar e que muitas vezes essa forma gera prejuízos em que ela desfrute das pequenas liberdades da existência.
Sinceramente acredito que muito embora a pessoa atenda critérios para qualquer diagnóstico e que por vezes seja inevitável o uso de medicamentos para organizar-se, o processo mais importante é a pessoa engajar-se em um plano de cuidado que permita inclusão, reinserção e aceitação social. Para tal além da medicação é necessário um plano intensivo e constante de terapia psicológica e ocupacional.
Não quero aqui ofender aos caríssimos psicólogos e psiquiatras que tenho o prazer de conhecer muitos e que são integrais na compreensão e abordagem dos transtornos mentais, mas a sociedade tem denunciado e clamado por um visão menos parcial que é ainda é predominante
